sexta-feira, 17 de maio de 2013

Não há jornalismo sem repórter

Apesar disso, a grande maioria dos jornalistas vive desconectada da população, diz Francisco Karam
Por Leandro Lima

Karam: verificação, investigação e apuração como traços
diferenciais do jornalismo
Não existe jornalismo sem repórter que apure. Quem afirma é Francisco José Karam, jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, que conversou com os alunos de Jornalismo da Unisul na noite de quarta-feira, 20 de abril. Em sua palestra, Karam afirmou que os jornalistas de hoje têm menos interesse e paixão pelo ofício do que no século passado porque a grande maioria vive desconectada da população, não freqüenta os mesmos lugares e também não anda de ônibus.

Apesar de o repórter ainda ser a figura de destaque no jornalismo, hoje, a sua função vem sendo redefinida pelo impacto das assessorias de imprensa e das redes de informação. Devido à grande quantidade de informações que chega às redações, ele é um grande definidor, um diferenciador e mediador da profissão. O repórter sempre será fundamental no processo de verificação, investigação e apuração, que vêm a ser traços diferenciais do jornalismo.

Sem a investigação do repórter, a notícia se torna uma repetição. Com as novas tecnologias, é possível fazer vários jornais sem repórter, mas a reportagem é e sempre será muito importante para o jornalismo, como mostra Karam. Apesar do apelo ético e social da profissão, muitos buscam nela apenas um modo de sobreviver e satisfazer um sonho de consumo com um bom emprego em uma assessoria de imprensa.

O lugar do repórter é na rua e não dentro da redação reproduzindo informação. As grandes reportagens e matérias dependem da ousadia e capacidade do repórter de estar aberto ao novo, ao fato, ao outro, como disse Fernando Evangelista, em palestra anterior aos alunos de jornalismo. Ser jornalista é saber ouvir, saber ver, ser curioso e buscar no dia a dia a informação.

Jornalismo, guardião do direito à informação

"O jornalismo é uma maneira de satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos, ele é a história à queima roupa"
Por Alexandre Mustafá Silveira

Jornalismo: defesa do interesse público
A sociedade tem o direito à informação através do trabalho dos jornalistas. Com base em pesquisa do perfil dos jornalistas brasileiros divulgada em 4 de abril de 2013, o professor e pesquisador em ética no jornalismo, Francisco José Karam, defende uma constante valorização dos jornalistas, com melhores salários e condições de trabalho. Para isso deve haver uma convocação das universidades, sindicatos, federações e da classe jornalística em favor de um jornalismo ético de qualidade, que assegure o direito de todos à informação, com liberdade de imprensa e respeito aos direitos humanos, salienta Karam, doutor em Kilmes, na Argentina, e pela PUC de São Paulo.

“Caso houvesse uma democracia plena midiática, com mais meios de comunicação, mais mídias, haveria mais olhares e abordagens com fontes diferenciadas", analisa Karam, que abriu sua palestra falando do jornalismo e sua trajetória. A profissão, segundo ele, sempre foi de interesse público, todavia esteve permeada de uma série de constrangimentos de interesses, na ausência de uma plena independência. Mas foi a partir de 1970 que gradativamente as empresas jornalísticas foram comprando ações de empresas de fora da mídia. Os jornalistas deveriam cumprir um papel com autonomia e independência, investigando e defendendo o interesse público. "Precisam manter esse papel mesmo em meio aos interesses de conglomerados da mídia, das empresas e anunciantes levando ao dilema que hoje se vê no meio das comunicações", pondera Karam.

Com o surgimento dos padrões novos de comportamento, houve a necessidade de criar os manuais técnicos com procedimentos éticos, necessários a uma determinada estética jornalística, para distintos públicos, com diferentes formatos. Existe uma lista de deveres e direitos profissionais, uns são realizáveis outros não, questionados o tempo inteiro, gerando reações de confirmação e aceitação e outros de rejeição, conclui Karam, que tem mestrado na Universidade de São Paulo. “Diz-se que o jornalismo é uma maneira de satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos: ele é a história à queima roupa “, assim o professor de jornalismo e ética da UFSC Karam, tentou expressar o sentido do jornalismo.

Os jornalistas defendem a relevância social da sua atividade, os empresários têm na relevância social a legitimidade para defender seus interesses, analisa Karam. De um lado fala-se que o jornalismo é o olho público da nação, o porta voz da realidade e da verdade, mas de outro lado fala-se que o jornalismo está terminando, está com os dias contados. O jornalismo é ainda uma das profissões mais apaixonantes, que com a força do saber, traz a luz como o nascer do sol.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Da Guerra da Criméia, as redes sociais: o fim do repórter?

Especialista em ética discute as previsões sobre o fim da reportagem, mostrando papel histórico do repórter como verificador da realidade
Por Evelyn Santos

Não existe jornalismo sem repórter. "A reportagem é um traço definidor do jornalismo", afirma José Francisco Karam, pesquisador e professor da UFSC em palestra aos estudantes de jornalismo da Unisul no dia 20 de abril. Desde a Guerra da Crimeia, no século XIX, o repórter vai se constituir como o porta voz da verificação e da credibilidade, onde ninguém tem autonomia plena, mostra o especialista em ética. A análise sobre a importância histórica do repórter responde à previsão de especialistas de que na era das redes de informação ele será substituído por um formatador de conteúdos e de textos alheios.

Repórter, elemento da democracia
Embora o repórter seja inseparável hoje do jornalismo, ele não começou a atuar junto com o jornal, como explica Karam. O jornal surge nos séculos XVII e XVIII e um pouco mais a frente nasce à figura do repórter, mais especificamente na Guerra da Criméia entre, 1854 e 1855. Até aquele momento, não havia repórteres de guerra; as informações sobre os conflitos eram fornecidas pelos jornais através de cartas de soldados às famílias, ou então por informes feitos por militares.

Os jornais aproveitavam as cartas desses soldados às mães e namoradas, que traziam visões da guerra obviamente romanceadas ou presas a questões pessoais. Essa prática só mudou quando o jornal The Times mandou William Russel para a zona de conflitos, com a missão de relatar os acontecimentos na condição de correspondente especial, informa Karam. Só então o público britânico pôde ler sobre a realidade do campo de batalha a partir da visão de um profissional não diretamente envolvido com a guerra.

A partir da Guerra da Secessão nos Estados Unidos, onde já atuavam 500 repórteres, foi se afirmando a idéia de que não existe jornalismo sem repórter que apure. "O repórter se afirma então como um representante da população, uma forma de garantia, um elemento da democracia". Uma guerra sem repórter é onde estamos fadados a ouvir a um porta voz do comandante de guerra.

Karam citou o escritor José Martinez Alberto editorialista do jornal El País, autor do livro O ocaso do jornalismo, segundo o qual, a partir de 2020 o jornalista é um provedor em cadeias de informações prestadas pelos outros, o que significa que morrerá o repórter. "Claro que hoje podemos fazer um jornal sem repórteres; basta pegar todos os releases de assessorias", complementa o palestrante.

Seja qual for o crédito dessas previsões, Karam acredita que, alavancado principalmente pelo crescimento das redes de informação e, consequentemente, pelo número de profissionais dedicados à área, já se pode dizer que nunca foi tão marcante o papel dos repórteres na sociedade.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Jornalistas, profissionais e diplomados

Enquanto fim da obrigatoriedade do diploma tramina no Tribunal Federal, jornalistas buscam reconhecimento da importância da formação superior
Por Manoela Nascimento

Karam: ética se aprende na escola, sim
Na era das mídias digitais e das grandes mudanças no processo de transmissão e reprodução de informações, o futuro da profissão jornalística nunca foi tão discutido. O cenário do debate coloca em questão a contribuição que o curso superior pode trazer ao profissional, e até que ponto a exigência do diploma vai de encontro à constituição, que por sua vez, garante a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de expressão intelectual, artística e científica de todos os indivíduos.

A obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista ainda tramita no Supremo Tribunal Federal, com propostas de emenda à Constituição. A FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) vem promovendo o debate sobre a medida com o intuito de reforçar os argumentos quanto à importância da formação superior. Após liminar concedida em 2001 extinguindo a obrigatoriedade do diploma, a Federação reuniu artigos de profissionais da área no livro Formação Superior em Jornalismo: Uma exigência que interessa a Sociedade, com supervisão editorial do professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Francisco José Castilhos Karam.

Doutor na área de deontologia e ética em jornalismo, Karam reforça os argumentos favoráveis à formação acadêmica, que são encontrados em seus artigos e livros. Em palestra aos alunos da Universidade do Sul de Santa Catarina no dia 20 de abril, o jornalista afirmou: “Hoje a formação acaba sendo muito importante porque nela temos as bases éticas, técnicas e estéticas fundamentadas em uma teoria para o exercício profissional em diferentes plataformas. Nela estudamos os padrões obviamente consolidados e os novos padrões que estão se configurando.”

Atualmente os cursos de jornalismo nas faculdades têm a duração de oito semestres que concentram a formação básica para que o futuro profissional trabalhe em meios de comunicação. Além das práticas com textos, fotos e outros suportes jornalísticos, os alunos são apresentados aos princípios éticos da profissão. Em meio ao debate, a plateia questionou se a ética pode ser vista como uma qualidade que vem de berço ou um valor agregado, que pode ser ensinado em uma sala de aula. Quanto a essa questão, o professor Karam responde: - Nascemos éticos ou não? É uma questão que ouvimos. Não existe uma ética no jornalismo porque a pessoa ou nasce ética ou não nasce ética. No limite, isso leva ao que o jornalista Paulo Santana falou: já que querem diminuir a criminalidade infantil, minha sugestão é que algemem todos os bebês quando nascem, depois a gente vai soltando aos poucos, pra ver quem é bom ou não. 

A questão da ética o que é? A pessoa nasce; mas a pessoa é um processo, depende da família, da educação, da convivência ao redor de determinados valores sociais que devem ser mantidos, alguns superados, fortalecidos; por exemplo, prezar a convivência, a solidariedade, ser contra a tortura. Tudo isso está muito no centro da questão ética, mas é um processo usufruto do passado em relação a como se vai produzir o presente e o futuro desde o nascimento. Então é uma questão de formação que vai entrar na formação específica para os procedimentos da atividade jornalística. Nesse caso, o profissional vai trabalhar num mercado que pode ser de um jornal, de um conglomerado, ou de uma assessoria, mas existem alguns valores básicos e universais que precisam ser conhecidos e respeitados.

Para entender o contexto da decisão judicial

A primeira escola de Jornalismo no Brasil foi a Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, fundada em 1947, em São Paulo. Na década de 60 foram sendo criados cursos de jornalismo em outras instituições. Em 1969, o país vivia em regime ditatorial militar, sem liberdade de expressão, com o governo submetendo os meios de comunicação a um forte controle pela censura. Nesse contexto político é que a obrigatoriedade do diploma para exercício da profissão de jornalista foi instituída em forma de decreto-Lei. Após retomada a democracia, o decreto ainda encontrava-se em vigor.

Em outubro de 2001, a juíza substituta da 16ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, Carla Abrantkoski Rister, concedeu liminar ao processo de iniciativa procurador da República, André de Carvalho Ramos do Ministério Público Federal, acabando com a exigência de formação superior em jornalismo para o exercício da profissão.

A decisão da juíza fundamentou-se no argumento de que o jornalista deve apresentar formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a frequência a uma faculdade, e sim pelo hábito de leitura e pelo próprio exercício da prática profissional. Em um trecho de seu parecer final, a juíza Carla Abrantkoski Rister afirma: “Há escolas de jornalismo, mas a passagem por uma delas não é requerida para se adentrar na profissão. Essa total liberdade de recrutamento tem os seus aspectos positivos, sendo que o aprendizado pela prática atende bem as peculiaridades da profissão. A despeito disso, é mesmo paradoxal que uma atividade que confere um poder excepcional sobre o conjunto da opinião pública seja subtraída da verificação de qualidade daqueles que a exercem.”

 Profissionais da área que se apresentam favoráveis ao exercício qualificado através de formação acadêmica, por sua vez, conferem ao curso superior o papel de aprofundar e agregar qualidades inerentes à atividade. Isso ganha maior peso quando se considera que o jornalista, como afirma a própria juíza Carla Abrantkoski Rister, exerce um poder excepcional sobre o conjunto da opinião pública.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ética, polêmica e paixão no jornalismo

Especialista em ética jornalística, Francisco Karam, discute a lei que reabre a polêmica envolvendo exigência do diploma jornalístico
Por Mariana Smânia

Aprovada em plenário pelo Senado, a nova lei que obriga a exigência do diploma para o exercício do jornalismo apenas aguarda a próxima etapa para entrar em vigor. O autor da proposta, Antônio Carlos Valladares, diz ter sido motivado pelo que consta na Constituição: “Todas as profissões são regulamentadas pelo Poder Legislativo. A profissão de jornalista exige um estudo científico, que se aprende na universidade. Não é justo que um economista diga: meu diploma vai valer, o seu não vai”. Apesar disso, o relator do processo e presidente do STF, Gilmar Mendes, levanta um argumento válido tanto para quem é a favor do diploma, quanto para quem é contra: "A formação específica em cursos de jornalismo não é meio idôneo para evitar eventuais riscos à coletividade ou danos a terceiros”.

Em palestra aos estudantes de jornalismo da Unisul no dia 20 de abril, o pesquisador Francisco José Castilhos Karam defende uma formação específica em jornalismo que dê bases éticas, estéticas e técnicas para exercer a profissão, mas enfatiza que o profissional precisa dar continuidade aos estudos da área, procurando sempre respeitar todas as barreiras impostas pelos direitos do cidadão, por mais maleáveis que elas sejam. Jornalista e professor do mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Francisco Karam é autor dos livros “Jornalismo, Ética e Liberdade”(1997) e “A ética jornalística e o interesse público”(2004). Mestre pela Universidade de São Paulo (USP), doutor pela PUC-SP, realizou seu Pós-Doutorado na Universidade de Quilmes, na Argentina.

Exemplificando casos marcados pela falta de ética, Karam cita o editor da “má língua”: “Um jornalista, agora professor-doutor da Universidade de São Paulo, começou a trabalhar em uma dessas revistas populares. Na falta de notícia, o editor pediu-lhe para publicar que as más línguas disseram ter visto Cláudia Raia acompanhada num restaurante noturno. Na época, a atriz era casada com o Edson Celulari. O jornalista respondeu que a única má língua que via por ali era a do editor”.

Pode parecer um exemplo fora do normal, mas situações de manipulação da notícia, e mesmo de mentira, como é o caso, acontecem, e muito, segundo o pesquisador de ética jornalística. O (agora) professor foi demitido na época, mas quais não seriam as consequências para a atriz se, não deixando sua ética falar mais alto, o professor tivesse publicado a notícia falsa? São casos assim que inspiram a discussão sobre a exigência ou não do diploma jornalístico.

Existem dois tipos de jornalistas: o "jornalista por formação” e o “jornalista por vocação”, na concepção de Bernardo Kucinski, jornalista e escritor autodidata citado por Karam. Graduado em física pela USP, tornou-se jornalista na época da ditadura no Brasil. Defendendo a necessidade da paixão no jornalista, Kucinski critica a forma como o ensino superior na área é ministrado hoje. "Antigamente o jornalismo era uma opção de quem gostava muito de escrever, ler e sentia necessidade de comunicar aos outros suas opiniões, críticas e posições políticas", declarou, em uma entrevista ao USP Online. Hoje, diz ele ainda, há centenas de faculdades que oferecem o curso, mas nem todas têm a "formação política e filosófica que seria necessária para um jornalista.”

O físico começou a atuar na área jornalística durante a Ditadura Militar, quando a liberdade de expressão foi condenada e o jornalista autodidata ganhou força. É nesta época, inclusive, que o governo cria a lei da exigência do diploma na profissão. Tanto os que aprovam a exigência, quanto os que a desaprovam concordam com o argumento de que a razão da lei foi o interesse do governo militar em exercer um maior controle sobre o que estava sendo veiculado para a população, o que claramente não deu muito certo. Porém, como tudo tem seu lado positivo, o que antes era lei por motivos repressivos, hoje se tornou indispensável para a veiculação de informação de qualidade e de uma forma ética e democrática à população, segundo à FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas).

Em meio a essa polêmica sobre exigir ou não a formação acadêmica, diplomados, não diplomados, acadêmicos e autodidatas permanecem esperando a decisão, mas nunca deixando a curiosidade, o estudo, a ética e a paixão de lado.

De autor da denúncia ao banco dos réus

Acusações mal apuradas são a principal causa de ações contra jornalistas. A Revista Veja é a campeã em processos por difamação
Por Leonardo Santos

Quando se trata de revelar escândalos políticos, desmandos, corrupção ou outros crimes que chocam e aviltam a sociedade, os jornalistas costumam ter um papel-chave, por vezes heróico, mas não raro deixam de ser os autores da denúncia e se tornam o seu alvo. Dentre os vários processos contra jornalistas, os mais comuns são os de calúnia, injúria e difamação, crimes que surgem pela ausência de apuração, em geral cometidos pela mídia no afã de atender às necessidades de informação imediata da opinião pública.

Diogo Mainardi
A quantidade atual de processos contra jornalistas por difamação é um fato que desperta preocupação e reflexão no e professor especialista em ética no jornalismo Francisco Karam.
O pesquisador considera esses crimes como aqueles que consistem na produção e divulgação de matérias inverídicas ou ofensivas, ainda que verdadeiras. Nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o número de processos passa de 3.000 em somente três empresas de comunicação.

Entre as publicações brasileiras, a revista Veja é a uma das que mais sofre processos. Em 2007, um de seus colunistas, Diogo Mainardi (à esquerda), acumulava 200 processos, a maioria por calúnia e em 2008 duelava nos tribunais contra o jornalista Paulo Henrique Amorim (à direita), que foi acusado por Mainardi já na manchete da coluna de ser “A Voz do PT”. No texto, o colunista dizia que Paulo Henrique estava na fase "descendente da carreira" e que havia se engajado na batalha comercial do lulismo (a expressão se refere aos que defendiam as posições e atos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva) contra Daniel Dantas. Em troca, receberia um "incentivo mensal" de R$ 80 mil.

Paulo Henrique Amorim
Em resposta, Paulo Henrique entrou com ação na Justiça contra Diogo Mainardi e a Editora Abril - que publica a revista Veja - pedindo indenização por danos morais sob a alegação de ofensa à honra pessoal e profissional, além de violação à intimidade. Dentre idas e vindas aos tribunais, Diogo Mainardi perdeu os processos de calúnia e difamação, mas deixou o país para morar em Veneza e hoje não trabalha mais para a Veja. Ao saber de sua partida, Paulo Henrique Amorim escreveu em seu blog que Mainardi não pagou o que lhe deve.

Apesar de sofrerem processos, os jornalistas conseguem fazer matérias de denúncia valendo-se de estratégias profissionais para se assegurar contra possíveis ações. O direito constitucional de manter sigilo das fontes encoraja e protege o desdobramento do trabalho de apuração, mas como aponta Karam, muitas vezes é usado como muleta para a invenção de fontes ou depoimentos. "Aí entra a questão ética na utilização desse direito".

A melhor e mais legítima arma de defesa e segurança dos chamados jornalistas investigativos é a documentação. O livro A Privataria Tucana, por exemplo, que relata as privatizações dos tempos de FHC, é fartamente sustentado em provas e baseado em documentos verídicos e assinados. Até ficar pronta, a obra consumiu 12 anos de investigações. Na prática da apuração responsável, o jornalismo entra em outro tempo que não é o da notícia fast-food, onde a distância entre denunciar e denegrir a imagem de alguém é pequena e perigosa.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Quando a pressa é inimiga da notícia

Apuração cuidadosa e bem feita antes de registrar os fatos não é matéria de investigação: é o princípio ético básico do jornalismo
Por Isadora Satie

Investigação de um acontecimento antes de sua divulgação
assegura a credibilidade da notícia 
Jornalismo é o juízo da relevância. “Eu tenho critérios de relevância: dentre um mar de acontecimentos, eu seleciono alguns e não todos. No momento seguinte eu tenho que investigar e apurar aquilo que eu escolhi”. Assim Francisco Karam situa a ética do repórter ao iniciar sua palestra aos alunos do Curso de Jornalismo da UNISUL no dia 20 de abril, no Campus Pedra Branca. Em seu entendimento, grande parte da questão ética está na qualidade da apuração.

Além de ser uma maneira de se aproximar da veracidade dos fatos jornalísticos, a apuração da notícia possibilita um jornalismo investigativo com aprofundamento da informação. A partir da busca de documentos, da entrevista de fontes, da realização de pesquisas e, sobretudo, da ida até o local dos acontecimentos, o jornalista foge à superficialidade dos fatos tão frequente nos dias de hoje.

Na era da internet, quando redes sociais dominam um espaço comunicativo cada vez maior, onde a quantidade de informações nunca dá conta de cobrir o imediatismo no consumo da notícia. Assim, a qualidade da informação é comprometida mais facilmente e fica mais suscetível a erros. Uma notícia superficial e mal verificada pode levar a crimes de calúnia, injúria e difamação. “A quantidade de processos que há hoje contra jornalistas é enorme", aponta Karam. "Acho que muitos com razão, porque muitas vezes a verificação não é feita e a privacidade é atingida sem nenhuma relação com o interesse público”.

A pressa para ser o primeiro a dar a notícia costuma ser valorizada pelos jornais e pelos leitores, mas vem comprometendo a credibilidade do jornalismo na sociedade. Como mostra o palestrante, o imediatismo priva o leitor de uma informação mais reflexiva, condenando-o a uma interpretação incompleta e deformada da realidade. Por isso, a qualidade da informação é tão ou mais importante do que ser o primeiro na transmissão da notícia. O tempo realmente é curto e o jornalismo digital exige certa velocidade, mas a pesquisa é dever de qualquer jornalista.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Mídia continua sob censura, mesmo com o fim da ditadura

Se hoje houvesse uma democracia de comunicação plena, nós teríamos mais olhares, mais fontes diferenciadas, mais vozes e mais possibilidades de versões, diz especialista em ética
Por Pablo Mingoti

Democracia na mídia foi um dos temas do palestrante
A noite estava fria e chuvosa. Conversando com os presentes, o autor do livro A Ética Jornalística e o Interesse Público esperava a palestra na UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina) começar. Com o olhar atento na plateia de estudantes de jornalismo, o jornalista Francisco José Karam começa relembrando a falta de liberdade da imprensa na época da ditadura militar. Mas logo vai mostrar que o cerceamento da imprensa pelos poderes políticos e econômicos no Brasil não se limita ao período do golpe militar e está relacionado à ética da profissão até os dias de hoje.

Nos anos de chumbo, a mídia enfrentou os mais duros ataques de sua história contra a falta de liberdade. Qualquer tipo de manifestação contra quem estava no poder era retirado da pauta dos meios de comunicação. Jornais foram extintos; as matérias, antes de publicadas eram lidas pelo censor do governo; jornalistas foram perseguidos, torturados e mortos por dizer a verdade. A partir daí, a falta de democracia na comunicação se tornou um fato recorrente.

Com o fim da ditadura militar, a questão da liberdade de imprensa no jornalismo entrou para o foco das discussões de todas as esferas públicas. De acordo com Francisco José Karam, que é professor de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), caso hoje realmente houvesse uma democracia midiática plena, nós teríamos mais olhares, fontes diferenciadas, mais vozes e mais possibilidades de versões. Em palestra aos estudantes do Jornalismo da UNISUL, Karam afirmou que o cenário ideal para a democratização da mídia é o fim dos monopólios, com mais concorrências e mais empresas.

Hoje a concentração nos meios de comunicação está nas mãos de poucos. Por exemplo, a Rede Globo tem 35 grupos ligados à rede, controlando nada menos que 340 veículos de comunicação. “O que segura a Globo e a estrutura com 23 mil empregados que trabalham com informação, programas documentais e dramas é a ocupação do território nacional, as novelas e o comercial ", explica Karam. Os chamados “donos da mídia” no Brasil são famílias que controlam as redes privadas nacionais de TV aberta e seus 138 grupos regionais afiliados, que são os principais grupos de mídia nacionais.

Com a exibição do primeiro Jornal Nacional em 1º de setembro de 1969, o telejornalismo começava a apresentar um caráter  monopolista. Como as emissoras se encontravam na região sudeste do Brasil, os programas e os próprios telejornais acabaram lançando modelos de comportamento fabricados em São Paulo e no Rio de Janeiro para todo o Brasil que persistem até os dias atuais.

Em relação aos jornais impressos atuais, os movimentos que são vistos como ameaça ao poder público e econômico são ignorados pela mídia. O professor João Batista de Abreu, vice-diretor de comunicação social da UFF (Universidade Federal Fluminense),  diz que a censura nos jornais ainda ocorre. “A falta de democracia nesses meios acontece principalmente com o movimento MST (Movimento dos Sem Terra), que é retirado de pauta”, aponta. Armando Nogueira, pioneiro no telejornalismo, acredita que a censura é dolorosa como uma doença: suporta-se porque há sempre esperança na cura e instinto de sobrevivência.

Na democracia é impossível escolher bem sem estar bem informado. A comunicação deveria ser livre de regras e normas, mas se sabe que não funciona dessa maneira. O que pode transformar esse cenário é a questão das redes sociais, onde a informação circula livremente sem obedecer ao controle de linhas editoriais e interesses econômicos. “Muitos acreditam que, com o fortalecimento da internet, as redes sociais e as novas tribos vão redefinir a questão da democracia da comunicação social”, complementa o palestrante Karam. 

Com a chuva fina que cai ao lado de fora, o local da palestra se torna um corredor para alunos de outros cursos da Universidade do Sul de Santa Catarina.  “Vamos começar a encerrar... está cada vez mais difícil”, lamenta Luciano Bitencourt, um dos organizadores do evento. A discussão é perturbada pelo trânsito de pessoas e conversas, em uma demonstração de que a falta de ética não ocorre somente no jornalismo. “Deve ser a primeira palestra de corredor que você fez”, conclui Luciano. “Não, não foi a primeira. Eu já falei uma vez no escuro, quando faltou luz. A dúvida era se quando acendesse a luz, haveria alguém...”, brincou. Em nome da organização do evento, a professora Giovanna Benedetto, agradeceu o convidado, que parecia querer discutir mais. “Temos muitos assuntos para discutir, mas precisa-se de tempo", comenta o jornalista. Os presentes foram saindo um a um. As luzes se apagaram.